segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

CARTAS DE AMOR - 2ª CARTA

Hoje, a carta é de Simão para Teresa, as personagens principais do arrebatador romance de Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição.



Ao anoitecer, Simão, como estivesse sozinho escreveu uma longa carta, da qual extractamos os seguintes períodos:

«Considero-te perdida, Teresa. O sol de amanhã pode ser que eu o não veja. Tudo, em volta de mim, tem uma cor de morre. Parece que o frio da minha sepultura me está passando o sangue e os ossos.

Não posso ser o que tu querias que eu fosse. A minha paixão não se conforma com a desgraça. Eras a minha vida: tinha a certeza de que as contrariedades me não privavam de ti. Só o receio de perder-te me mata. O que me resta do passado é a coragem de ir buscar uma morte digna de mim e de ti. Se tens força para uma agonia lenta, eu não posso com ela.

Poderia viver com a paixão infeliz; mas este rancor sem vingança é um inferno. Não hei-de dar barata a vida, não. Ficarás sem mim, Teresa; mas não haverá aí um infame que te persiga depois da minha morte. Tenho ciúmes de todas as tuas horas. Hás-de pensar com muita saudade no teu esposo do Céu, e nunca tirarás de mim os olhos da tua alma para veres ao pé de ti o miserável que nos matou a realidade de tantas esperanças formosas.

Tu verás esta carta quando eu estiver num outro mundo, esperando as orações das tuas lágrimas. As orações! Admiro-me desta faísca de fé que me alumia nas minhas trevas!... Tu deras-me com o amor a religião, Teresa. Ainda creio; não se apaga a luz que é tua; mas a providência divina desamparou-me.

Lembra-te de mim. Vive, para explicares ao mundo, com a rua lealdade a uma sombra, a razão por que me atraíste a um abismo. Escutarás com glória a voz do mundo, dizendo que eras digna de mim.

À hora em que leres esta carta...»

página 96, colecção "Os Grandes Clássicos da Literatura Portuguesa", dirigida por Vasco Graça Moura, Planeta DeAgostini

Este livro pode ser lido na Biblioteca Virtual da Porto Editora. Foi adaptado ao cinema por Manoel de Oliveira e é, também, uma ópera em três actos de João Arroyo.

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