terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

CARTAS DE AMOR - 3ª CARTA



Desta vez, a escolha recaiu sobre Eça de Queirós, através da sua personagem Fradique Mendes que escreveu cartas de amor a uma mulher chamada Clara.

Paris, Novembro
Meu amor:
Ainda há poucos instantes (dez instantes, dez minutos que tanto gastei num fiacre desolador desde a nossa Torre de Marfim) eu sentia o rumor do teu coração junto do meu, sem que nada os separasse senão uma pouca de argila mortal, em ti tão bela, em mim tão rude - e já estou tentando recontinuar ansiosamente, por meio deste papel inerte, esse inefável estar contigo que é hoje todo o fim da minha vida, a minha suprema e única vida. É que, longe da tua presença, cesso de viver, as coisas para mim cessam de ser - e fico como um morto jazendo no meio de um mundo morto. Apenas pois, me finda esse perfeito e curto momento de vida que me dás, só com pousar junto de mim e murmurar o meu nome - recomeço a aspirar desesperadamente para ti como para uma ressurreição!
Antes de te amar, antes de receber das mãos do meu Deus a minha Eva - que era eu, na verdade? Uma sombra flutuando entre sombras. Mas tu vieste, doce adorada, para me fazer sentir a minha realidade, e me permitir que eu bradasse também triunfalmente o meu - «Amo, logo existo!» E não foi só a minha realidade que me desvendaste - mas ainda a realidade de todo este universo, que me envolvia como um ininteligível e cinzento montão de aparências. Quando há dias, no terraço de Savran, ao anoitecer, te queixavas que eu contemplasse as estrelas estando tão perto dos teus olhos, e espreitasse o adormecer das colinas junto ao calor dos teus ombros - não sabias, nem eu te soube então explicar, que essa contemplação era ainda um modo novo de te adorar, porque realmente estava admirando nas coisas a beleza inesperada que tu sobre elas derramas por uma emanação que te é própria, e que, antes de viver a teu lado, nunca eu lhes percebera, como se não percebe a vermelhidão das rosas ou o verde tenro das relvas antes de nascer o Sol! Foste tu, minha bem-amada, que me alumiaste o mundo. No teu amor recebi a minha iniciação. Agora entendo, agora sei. E, como o antigo iniciado, posso afirmar: "Também fui a Elêusis; pela larga estrada pendurei muita flor que não era verdadeira, diante de muito altar que não era divino; mas a Elêusis cheguei, em Elêusis penetrei - e vi e sentia, verdade!...»

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A carta continua nas páginas 202 a 206 do livro A correspondência de Fradique Mendes, Edições Livros do Brasil.

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