terça-feira, 1 de dezembro de 2009

CONTO DA SEMANA

Para pensar e fazer silêncio.


O Silêncio e a Tranquilidade

Chama-se ao Advento o tempo do silêncio. Apesar disso, muitos são os que o vivem enquanto tempo de barulho e de agitação. As pessoas precipitam-se para as lojas a fim de fazer as compras de Natal. E, no entanto, o silêncio é necessário para que Deus possa vir até nós. Sem silêncio, não nos apercebemos da sua vinda, não o ouviremos bater à porta do nosso coração.
Em alemão, a noção de silêncio encontra-se ligada à de imobilidade. Para fazermos silêncio em nós, importa que paremos, que deixemos de correr de um lado para o outro, que deixemos de nos agitar e fiquemos sozinhos connosco. Só me encontrarei a mim próprio se me imobilizar. Deixarei então de viver no exterior a minha agitação; aperceber-me-ei dela dentro de mim. Só alcança o silêncio, a tranquilidade, aquele que sabe resistir à sua própria agitação. A língua alemã associa igualmente, num único vocábulo [Stille, Stillen], a tranquilidade e a amamentação do recém-nascido. Ao aleitar a criança que chora com fome, a mãe acalma-a. Da mesma forma, devo aquietar o choro interior da minha alma. Quando deixo de me agitar no exterior, o meu coração grita de fome; e grita de insatisfação. Sente necessidade de alimento e, por isso, devo consagrar-me maternalmente a ele, para que se apazigue. Ora, muitos são aqueles que têm medo de escutar o coração que grita de fome; preferem ignorá-lo, agitando-se sem cessar, sempre em rodopio. Mas o coração continua a gritar, não querendo que o ignorem, pois sente a necessidade de atenção, de alimento. “Apenas em Deus encontrarei o repouso para a minha alma”, diz um Salmo (62[61],1). Ainda hoje é cantado todas as quartas-feiras, à hora das completas*; e sinto-me sempre tocado por ele. Eu próprio não consigo acalmar o coração; quando ouço o seu grito, pressinto que ele sente fome de algo mais do que aquilo que lhe posso dar. É Deus quem ele deseja; só em Deus poderá repousar verdadeiramente. Tu que me lês, dá-te a ti próprio, durante o Advento, alguns momentos de silêncio e de tranquilidade que te permitam procurar Deus. E sempre que, no meio do silêncio, surgir em primeiro lugar o barulho interior, suporta-o muito simplesmente. Pára, permanece imóvel; oferece a Deus o teu coração que grita, para que ele apazigue a sua fome. É então
que o silêncio se tornará um bálsamo e nele poderás mergulhar a tua alma. Suportarás então um frente a frente com a tua própria verdade, poderás até saborear o facto de estares, muito simplesmente, contigo mesmo, diante de Deus. No silêncio, ninguém te exige nada; nele permaneces tal qual és, com toda a simplicidade.
Mas o silêncio não é apenas necessário durante o Advento, também o é no Natal. Para mim, celebrar a noite da Natividade implica que, após a celebração em comum, eu consagre três horas a meditar em solidão, escutando uma parte do Oratório * do Natal e prestando atenção ao silêncio. Pois sei que Deus só pode nascer em mim no silêncio.
No segundo domingo depois do Natal, cantamos no início da missa um trecho do Livro da Sabedoria: “No instante em que um silêncio reconfortante envolvia todas as coisas e em que a noite chegava ao meio da sua apressada caminhada / do alto dos céus, a Palavra toda–poderosa desceu do trono real” (Sabedoria, 18, 14-15). Deus só descerá ao meu coração quando nele se tiverem instalado o silêncio e a tranquilidade. É no seio do mais profundo silêncio e quando a palavra humana se tiver calado, que se dará o nascimento de Deus. Calando-me, não posso obrigar Deus a vir até mim; mas o silêncio é condição necessária para que me aperceba da sua presença em mim. Ao fazer silêncio, desço às minhas profundezas, e o caminho que me leva até lá passa pela obscuridade da minha noite, pela noite da minha angústia e da minha solidão. É então que deixo para trás o trono da realeza onde permaneço seguro de mim, e de onde determino e conduzo a minha vida. É então que mergulho até ao fundo da minha alma. Porque só aí Deus pode nascer em mim; é apenas nas profundezas do meu coração, onde já nenhum ruído exterior penetra, que Deus deseja tornar-se homem em mim.
Notas:

Anselm Grün
Curta Meditação sobre
as Festas de Natal
Mesmo para quem não é católico, mesmo para os agnósticos, este texto faz sentido: parar para ouvir o silêncio é cada vez mais uma urgência neste mundo vivido a um ritmo louco, alucinante, onde o ruído é rei e a falta de tempo é rainha.

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